terça-feira, 29 de setembro de 2009

Girando, girando e girando.


Diabos – praguejei ao acordar. Simplesmente abri os olhos e despertei em mais um dia alucinante. O teto girava ou era a cama? Estiquei o braço e tentei agarrar-me no criado mudo. Alguém já tentou fazê-lo confessar algo? O meu é confiável. Tudo que ele já escutou a meu respeito, meus intermináveis resmungos, pesadelos e ressacas e a toda a rotatividade da minha cama sempre morreram ali.  Mas dessa vez ele não foi muito útil, mesmo segurando-o firme, nada parou de rodar.
A vida girando numa alcoolizada roda gigante. Levantei lentamente e cai como um saco de batatas. Pausa forçada para o cigarro. Lá estava eu, encolhido no corredor que interligava o quarto com a cozinha e muito distante do meu objetivo primário: algo gelado para deslizar pela garganta e de preferência uma cerveja. Ascendi e traguei o cigarro naquele gira mundo angustiante e me pus a olhar os quadros pela parede. Pinturas de quinta categoria girando em óleo e telas baratas.
Ainda estava com as roupas da véspera, meu bafo era podre e tudo cheirava a fumaça e álcool. Que merda eu fiz ontem à noite? De onde eu tirei esses quadros terríveis? Puxei pela memória e me veio na cabeça à figura de um artista que não tinha os dois braços. Comprei algumas obras dele por alguns trocados. O coitado estava morrendo de fome. Nunca pensei em como ele pintava essas merdas. Olhei mais uma vez para o corredor e chegar até a cozinha era como o caminho de Santiago de Compostela. Será que ele segurava o pincel com a boca ou usava o próprio pau? Minhas ideias absurdas giravam imaginativamente.
Foi quando me apoiei com os braços esticados um em cada parede, o corredor era estreito, perfeito como muleta para bêbados zonzos. Ergui-me e caminhei da forma mais digna possível até a maldita geladeira. Abri e a luz quase me cegou. Quando finalmente meus olhos acostumaram com a claridade tive uma surpresa, estava abarrotada: duas garrafas de cerveja, um tomate, duas cebolas e um pimentão. Talvez eu faça um molho quando melhorar. Enfim peguei a cerveja. Abri e dei um grande gole, a sacana desceu gelada pela garganta e tudo girou pela última vez.
Apaguei sentado por ali mesmo, com a porta da geladeira aberta, escorando a cabeça na gaveta dos hortifrutigranjeiros. Acordei quatro horas depois e tudo parecia bem, nada mais girava e o enjoou havia sumido. Mas quem se importa afinal? A maldita cerveja estava quente, diabos. 

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